Umbanda Hoje

BEBIDAS ALCOÓLICAS E TABACO NOS TERREIROS

UM ALERTA AOS DIRIGENTES

            Caso você, amigo leitor, ao deparar-se com o título temático, tenha especulado tratar-se de questionamento ou mesmo campanha para abolir o uso de substâncias alcoólicas e do tabaco dentro dos terreiros de Umbanda, desde já pedimos que lance ao abismo tal pensamento, pois NÃO SE TRATA DISTO! Temos o conhecimento  e  a consciência sobre a importância do uso ritualístico do álcool e do tabaco na dissipação de miasmas, larvas astrais etc. e na manipulação de energias  dentro da dinâmica  das atividades mediúnico-espirituais que acontecem nos Templos Umbandistas. E nossa certeza quanto à relevância e eficácia na utilização destes materiais nos trabalhos de Umbanda também nos conduz a afirmar que tais práticas litúrgico-magísticas nada têm a ver com condutas inapropriadas de indivíduos que vergonhosamente atribuem às entidades espirituais que laboram em nossa religião comportamentos vis, que são deles, dos mencionados indíviduos, e ainda que as citadas práticas litúrgico-magísticas não guardam qualquer relação com verdugos espirituais, obsessores, kiumbas etc. que investem contra desprevenidos e fragilizados, impondo-lhes seu desejo de consumo prazeiroso de bebidas, tabaco ou coisa pior.

            É preciso, antes de entrarmos no assunto em si, fixamos certas premissas, importantes ao entendimento pleno do texto e do contexto em que estarão inseridas e que darão o suporte necessário à dissertação vindoura e à compreensão final. São elas:

            1ª Premissa – Para a Constituição Federal, Código Penal, Código Civil e demais diplomas legais, ESPÍRITOS NÃO EXISTEM. Para o mundo jurídico espíritos são abstrações derivadas da crença em algo ou em alguma coisa, assentadas no campo da fé e não do mundo das formas. Não importa se para nós umbandistas a existência da espiritualidade seja um fato; para efeitos legais, eles, os espíritos, são fruto de crendice, imaginação.

            2ª Premissa – Por não existirem em termos legais, óbvio, não podem ser autores ou reús, não podem ser testemunhas, não podem ter direitos ou deveres, não podem ser objeto de ações criminais ou cíveis, enfim não participam do binômio direito-dever do universo material dos encarnados.

            3ª Premissa –  Por não existirem para a Lei, não podem ser responsabilizados por ações ou omissões. No caso da Umbanda, em que há a interação entre espíritos e médiuns principalmente através  da incorporação, caso ocorra alguma conduta ilegal durante uma Gira ou Sessão, e mesmo em atividades internas (fechadas ao público), a culpa recairá sobre o médium, que é pessoa física, que é de carne e osso, que está submetido à legislação brasileira, que está sujeito a deveres, podendo, por isto, ser processado cível e criminalmente, além de ser passível de prisão (em flagrante delito ou por ordem judicial). E não adianta apresentar justificativas, jogando a culpa nas costas das entidades espirituais – como muitos fazem – quem será apontado como responsável pela ação ou omissão criminosa é o médium.

            Antes de continuarmos, uma observação pertinente: Alguns podem achar que a citação das premissas é desnecessária, boba, fútil, infantil, insignificante etc. Vale lembrar, todavia, que as informações até aqui expostas têm o fim de alcançar principalmente aqueles que não tiveram a oportunidade, capacidade e/ou possibilidade de ter contato e refletir sobre o assunto/tema.

             Não só adultos, aqueles com 18 anos ou mais, fazem parte do corpo mediúnico dos terreiros. Ao lado deles, indivíduos com menos de 18 anos, portanto menores de idade para a Lei, por necessidade ou afinidade acabam ingressando na corrente mediúnica,  buscando dar vazão a uma mediunidade aflorada ou integrando o grupo como auxiliares (cambonos), atividade tão importante quanto a dos médiuns de incorporação, sendo, portanto, digna de nosso respeito e admiração. Lembremos que, para efeitos civis, abaixo de 16 é obrigatória a autorização dos responsáveis para ingresso no corpo mediúnico, uma vez que os menores nesta faixa etária são representados, eis que, para a Lei, são absolutamente incapazes; com 16 ou 17 anos os menores são relativamente incapazes para efeitos civis, sendo assistidos/auxiliados pelos pais,  através de  assistência/ratificação da vontade dos menores  pelos genitores. Para efeitos criminais, no entanto, menores de 18 anos são inimputáveis (não respondem por crimes ou contravenções), podendo, no máximo, sofrerem medidas socioeducativas na hipótese de praticarem atos infracionais.

            Passemos agora a dar conhecimento, lembrar ou relembrar aos amigos leitores específico diploma legal, ou Lei, como queiram, que guarda profunda conexão com várias situações que ocorrem dentro dos Templos de Umbanda e que, infelizmente, muitos dirigentes ainda não tomaram consciência dos inconvenientes que elas, as citadas situações, podem trazer à imagem do terreiro, ao diretor mediúnico de culto, a pessoas da corrente mediúnica e a colaboradores da casa umbandista. Prestem atenção ao que diz a legislação abaixo:

Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Artigo 243 – Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:

Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

            Leiam uma, duas, três vezes, se for necessário, e percebam o elo entre o contido em tal artigo e o que foi ventilado na primeira parte do texto sobre as premissas. E nada mais elucidativo do que exemplificarmos eventos que acontecem normalmente dentro de muitos terreiros e que consequências podem surgir caso alguém de má intenção queira embaraçar as atividades do Templo Umbandista ou prejudicar terceiros:

            Exemplo 1: Em uma Gira/Sessão, entre Entidades Espirituais incorporadas em seus respectivos médiuns e cambonos realizando seu valoroso trabalho, eis que um adolescente, moça ou rapaz, que recém ultrapassou a fase de desenvolvimento mediúnico, incorpora e o espírito presente solicita autorização ou pede para utilizar bebidas alcoólicas, charutos ou cachimbos. Normalmente quem decide sobre este e outros assuntos é o Guia-Chefe/Mentor Espiritual do terreiro, ou ainda o Guia-Chefe daquela Gira/Sessão, no caso do chefe espiritual da Casa estar impossibilitado de fazê-lo. Dada a autorização dentro das atribuições que já mencionamos, geralmente um dos cambonos no salão é que vai atender a solicitação com o aval do comando espiritual da Casa ou do comando espiritual da Gira/Sessão. Acontece então a entrega de charuto, cigarro, bebida alcoólica e/ou cachimbo com tabaco ao espírito incorporado no médium de menoridade a que já nos referimos. À luz do artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e levando em consideração que espíritos para a Lei não existem, que são abstrações oriundas de crença e fé, o cambono que entregou tabaco (charuto, cachimbo, cigarro etc.) e/ou álcool ao espírito incorporante estaria ou não enquadrado como sendo autor de ilícito penal? E o diretor mediúnico de culto/dirigente material? Que responsabilidade lhe cabe na participação que teve em autorizar a entrega e o uso de álcool e tabaco para um menor de idade? Reiteramos que, para efeitos legais, o mundo espiritual, os espíritos não são levados em consideração, pois, repetindo, para a Lei eles, os espíritos não existem; são abstrações/fantasias oriundas de crença e fé. E se o cambono, conhecedor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), se recusar a entregar álcool, cachimbo, charuto etc. ao menor, mesmo este estando incorporado? Ou é sensato cumprir as ordens do Guia-Chefe/Mentor Espiritual da Casa, ou as ordens do Guia-Chefe da Gira/Sessão, jogando para debaixo do tapete a norma legal que proibe e pune a entrega dos materiais já referidos a menores de 18 anos?

            Exemplo 2: Aqui a situação ficará restrita ao dirigente/diretor mediúnico de culto. Caso esteja incorporado com o Guia-Chefe da Instituição umbandista e o espírito capitaneador dos trabalhos do terreiro autorize, atenda ao pedido formulado e ainda forneça ao espírito incorporado em um menor de idade os materiais solicitados e, mais uma vez repetimos para a Lei, espíritos são abstrações, são fantasias e fazem parte exclusivamente da crença e da fé do médium ou fiel. Nesta situação, o dirigente, a pessoa física, o diretor mediúnico de culto não estaria enquadrado no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ser passível de sofrer sanções criminais por sua atitude?

            Exemplo 3: Em dias de Sessão/Gira, um menor de 18 anos vai a cantina comprar bebidas alcoólicas, charutos ou fumo para cachimbo, não importando se é para uso próprio ou para terceiros. O encarregado da cantina vende e entrega tais materiais ao menor. E neste caso, o cantineiro não estaria também enquadrado nas regras proibitivas do artigo 243 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?

            Como observado, todas as nossas colocações tem um ponto de interrogação no final. E assim agimos para abrir um leque de debates e reflexões sobre a questão apresentada, deixando a critério dos leitores construir seu ponto-de-vista, sua opinião sobre o assunto. Não obstante a liberdade para cada um, segundo seu entendimento, pender para um lado ou outro, temos a nossa visão sobre o assunto, a qual fazemos irrestrita questão de tornar público, a saber:  Pelos exemplos apresentados, não temos dúvida alguma de que quem vende, fornece ou entrega produtos alcoólicos, cigarro, charuto e tabaco a menores de idade dentro de um Templo de Umbanda, está sim infringindo as regras constantes do artigo 243 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pode ser punido por tal conduta.

            Como prevenção e salvaguarda da imagem do terreiro, dos espíritos, e dos médiuns, cambonos e colaboradores da instituição umbandista, para nós  simples regras podem evitar os problemas acima exemplificados, quais sejam:

            Para o Terreiro * Fica proibido o consumo de bebidas alcoólicas e tabaco (charuto, cigarro,  fumo para cachimbo etc.) por menores de 18 anos da corrente mediúnica nas Sessões e Giras.

            Para a Cantina  *  Fica proibida a venda ou entrega de bebidas alcoólicas e tabaco (charuto, cigarro, fumo para cachimbo etc.) a menores de 18 anos.

            Temos a certeza que os espíritos que incorporam em médiuns menores de 18 anos entenderão esta regra terrena, fruto da Lei, aguardando o momento oportuno para utilização de tais substâncias. Pode ser que alguns menores  se incomodem, o que é normal. Com o devido esclarecimento, no entanto, hão de concordar que é a melhor solução para o bem do terreiro e de seus integrantes, além, é claro, de preservar o bom nome da Umbanda.

            Ler, refletir e decidir caberá a cada um. Nossa parte está feita.

            Saravá, Umbanda!