Umbanda Hoje

EXU NÃO É O DIABO

 
           Lamentável. Profundamente lamentável.

Esta é uma das expressões que mais passa pela mente de estudiosos umbandistas, médiuns ou não, que, ao percorrerem uma gama considerável de terreiros, verificam o quão distorcido é o conceito sobre as entidades espirituais que se apresentam nos templos de umbanda sob os nomes exu (masculino) e pombagira (feminino). Mal compreendidos, ainda sim continuam a contribuir eficazmente para os trabalhos de Umbanda.

            O termo exu foi aportuguesado do nome Èsú, de origem iorubá, fato! E é considerado o Orixá mensageiro entre as demais divindades do panteão iorubano. A etimologia não é unânime, mas alguns afirmam que significa esfera. Outros, a esmagadora maioria, o definem como o Senhor da Seta, sendo, por esta razão, chamado de O Seteiro, o que carrega a lança pelos caminhos e encruzilhadas; a seta com a lâmina afiada, que corta qualquer coisa que se ponha à frente de sua missão. O movimento – outro aspecto da lança/seta – é um de seus atributos.

            Já o termo pombagira é uma corruptela de uma divindade do panteão bantu (congo-angola), nominada de Pambu Njila (Pambu = encruzilhada, fronteira – Njila (caminho, estrada), no dialeto quimbundo. Intitulado o Senhor dos Caminhos e Encruzilhadas, é um Nkise de aspecto masculino, com muitos atributos semelhantes ao Exu dos iorubás.

            Convém lembrar que discorremos sobre divindade iorubá (Èsú) e divindade bantu (Pambu Njila), não sobre as entidades espirituais de certo arquétipo que são identificadas por estes nomes, ainda que deturpados, na Umbanda.

            Em outra oportunidade colocaremos as razões que levaram estes termos a serem inseridos na Umbanda, desde já afirmando que não foram razões espirituais, mas tão somente de ordem interssocial. Por hora, restringiremos nossa dissertação sobre o termo Exu, visto que o panteão iorubá, por razões históricas, foi o que ganhou mais transparência no Brasil.

            Na África, em cultos nativos, o Exu, então orixá mensageiro, era ligado ao elemento fogo, o que, para as doutrinas judaica e cristã, era e é a ferramenta do diabo para fazer arder almas pecadoras no inferno, sendo assemelhado por isto a lúcifer, ao diabo. Suas representações eram em forma de falos, expressando a energia, a reprodução, o nascer de novo, a continuidade, dinamismo etc. Viajantes que por aquele continente passavam, deparando-se com tal quadro, conceituaram Exu como sendo uma divindade da perdição sexual, da orgia, da luxúria etc.

            Esta imagem pejorativa dada a Exu-Orixá pelos europeus foi erroneamente absorvida e difundida por muitos umbandistas, sobretudo aqueles que tiveram contato e/ou informações equivocadas dos cultos africanistas, o que fez com que uma gama de espíritos que se integraram à Corrente Astral de Umbanda para desempenharem funções mais terra-terra, fosse equiparada a emissários do mal, sendo até hoje simbolizados por figuras grotescas, com chifres, rabos, pés de bode, tridentes, sendo tal iconografia criada e alimentada pelo cristianismo.

            Apesar dos esforços direcionados a um maior estudo e compreensão no meio umbandista, os exus e pombagiras (espíritos) são tidos pelos que não conhecem suas origens e atribuições, como a personificação individualizada do mal, o diabo incorporado. Tal imagem é fruto de más interpretações dadas por pessoas que, não tendo a devida cautela em avaliar fatos, atos, objetos de culto, e rituais, passaram a conferir a eles o título de mensageiros das trevas.

Na Umbanda estes espíritos, que em razão do psiquismo são conhecidos como pombagiras (aspecto feminino e corruptela do Nkise Pambu Njila), e como exus (aportuguesamento do nome do Orixá Èsú, de aspecto masculino), se constituem em legiões de abnegados combatentes de nossa religião. São hierarquicamente organizados e realizam tarefas pertinentes a sua faixa vibratória. São os elementos de execução e auxiliares de guias e protetores, tendo, entre outras tarefas, as de serem as sentinelas das Casas de Umbanda, de policiarem o baixo astral e anularem trabalhos de magia para fins negativos. Ao contrário do que pensam alguns, têm exata noção de Bem e Mal. São justos, ajudando a cada um segundo ordens superiores e merecimento daquele que pede auxílio. São os Exus que freiam as ações malévolas dos obsessores que atormentam os humanos no dia-a-dia. São os vigilantes ostensivos, a tropa de choque que está em alerta contra os kiumbas, contendo as ações maléficas destes últimos.

            Em algumas ocasiões “baixam” em Templos de Umbanda, ou mesmo em templos de outras religiões, espíritos que tumultuam o ambiente, promovendo espetáculos circenses, galhofas e se comportando de maneira deselegante para com os presentes, xingando, proferindo palavras de baixo calão, ameaçando, e daí por diante. Comportamento como estes não devem ser imputados aos exus e pombagiras (espíritos) e sim aos turbadores astrais (masculinos e femininos), espíritos moralmente atrofiados e que ainda não compreenderam ou aceitaram a imutável Lei de Evolução, apegados que estão aos vícios, desejos e sentimentos humanos. Os kiumbas, para penetrarem nos terreiros, fingem ser (mistificam) Caboclos, Pretos Velhos, Exus e Crianças, cabendo ao Guia-Chefe da Casa estar sempre vigilante ante à determinadas condutas.

            Outro aspecto importante que merece ser trazido à tona é o diz respeito a alguns “médiuns” infiltrados no Movimento Umbandista. Despidos das qualidades nobres que o ser humano necessita possuir para seu progresso espiritual, contaminam e desarmonizam os locais de trabalhos mediúnico-espirituais. Tentam impressionar os menos esclarecidos com gracejos, malabarismos, convites imorais, encharcados de aguardente. “Desincorporados”, atribuem aos exus e pombagiras tais comportamentos. Fatos como estes são afetos às pessoas sem escrúpulos, moral, ética, pessoas perniciosas. Sem caráter, aproveitam a imagem distorcida dada a estes espíritos para exteriorizarem o seu verdadeiro “eu”. Estes “médiuns”, não raras vezes, acabam caindo no ridículo, ficam desacreditados, dando margem, segundo a Lei de Afinidades, a ataques de obsessores.

            Os exus e pombagiras são espíritos que, como nós, busca a evolução, a elevação, empenhando-se o mais que podem para aplicarem as diretrizes traçadas pela Espiritualidade Superior. É bem verdade que em seu estágio inicial uma grande parte deles ainda têm um comportamento instável, cabendo aos verdadeiros umbandistas o dever de não deixarem que se desvirtuem de seu avanço espiritual. Porém, nada que justifique serem rotulados de criaturas fantasmagóricas, horrendas e repugnantes. São qualificativos negativos que devem ser aplicados àqueles que difundem conscientemente esta visão distorcida de exu. Este equívoco conceitual acaba por afastar ou, ao menos, criar prevenções para os iniciantes do culto, que ficam temerosos quando um exu ou pombagira se manifesta. Aqueles que desvirtuam conscientemente a imagem dos espíritos que se utilizam de tais roupagens são kiumbas encarnados, que prestam um desserviço à religião, promovendo o terror, a dúvida, o conflito, a confusão. Diminuem os Exus à condição de espíritos interesseiros, astutos e cruéis; que são maus para uns e bons para outros, dependendo dos agrados ou presentes que recebam; de moral duvidosa, fumando os melhores charutos e bebendo os melhores uísques.

            A que ponto pode chegar a ignorância humana em visualizar estes espíritos como meros negociantes ilícitos, fazendo dos terreiros balcão de negócios, em total dissonância com o bom senso e a Lei Suprema.

            Exu não é marionete. Exu não é o diabo. Exu e pombagira são símbolos de dinamismo, de aperfeiçoamento espiritual constante.

            Salve os compadres, salve as comadres!

            Saravá Umbanda!