Umbanda Hoje

O USO INDEVIDO DE TÍTULOS

        As primeiras religiões nascidas no planeta, movimento humano de reaproximação com o Divino, é notório, emergiram no continente asiático, mais especificamente na antiga índia, onde o Vedismo, Hinduísmo, Budismo etc. estruturaram os diversos rituais e liturgias templários, alicerçadas em bases filosófico-espirituais de relevante grau de espiritualidade. Por questões de organização interna, e, em alguns casos, por vaidade e status, os sacerdotes destas religiões implantaram diversas nomenclaturas para designarem as várias funções exercidas naqueles segmentos religiosos. As demais religiões que passaram a existir também adotaram nomes ou títulos religiosos, consoante a responsabilidade e a missão desempenhadas por seus adeptos. Hoje observamos que no catolicismo temos o papa, o padre, o bispo, o cônego etc. Nas igrejas protestantes o missionário, o presbítero, o pastor. Na igreja messiânica o ministro, e assim por diante.

       As explanações, aqui colocadas de forma muito sintética, foram necessárias a fim de esclarecermos de forma racional e objetiva a respeito do uso indevido de títulos religiosos dentro de nossa Umbanda.

          Nossa  religião foi anunciada no plano físico através do iluminado espírito que, sob  a forma fluídica de um índio brasileiro, apresentou-se como Caboclo das Sete Encruzilhadas, acontecimento histórico ocorrido em 15/16 de novembro de 1908, em  Neves, atual bairro de São Gonçalo – RJ, naquela época distrito de Niterói.. A entidade espiritual missionária, fixando as bases e diretrizes para o desenvolvimento da religião de Umbanda, asseverou que a direção dos trabalhos espirituais e da administração dos templos ficaria a cargo de um espírito (guia-chefe), e de um encarnado, respectivamente, os quais seriam chamados de presidente (o que preside, comanda, dirige). Entretanto, com o passar do tempo alguns dirigentes materiais (presidentes administrativos) começaram a se intitular Babalorixás (homens) e Yalorixás (mulheres), títulos estes pertencentes aos dirigentes físicos do que conhecemos como Candomblé. Tal afirmação não é fruto de devaneios, mas sim o resultado de estudos das obras de grandes etnólogos africanistas (estudiosos das raças), como Nina Rodrigues, Arthur Ramos e Pierre Fatumbi Verger, que por várias décadas esmiuçaram os cultos às divindades africanas.

No livro “Os Orixás”, diz Pierre Verger que a religião que presta culto aos diversos deuses do panteão africano está ligada a noção de família, o clã numeroso, originário de um mesmo passado, englobando vivos e mortos. O Orixá seria em princípio um ancestral divinizado que em vida estabelecera vínculos com determinadas forças da natureza. Vê-se, portanto, que o culto às divindades da África tinha e tem como pressuposto uma linhagem em comum, qual seja a família. Após o desencarne, o ancestral divinizado escolheria um de seus descendentes para ter o privilégio de incorpora-lo no orbe terreno. O escritor supracitado menciona que estes descendentes que têm tal privilégio são chamados de Elégùns (aquele que é montado). Continua, dizendo que a divindade africana é um bem de família, cuja responsabilidade do culto fica a cargo do Elégùn, auxiliado por outros sacerdotes, sendo intitulados normalmente de Olorixás (sacerdotes do Orixá). O Elégùn é conhecido também por Iyawóòrisá (yalorixá), termo aplicado a homens e mulheres, significando aquele que cuida e reverencia a divindade.

Com o passar do tempo, movidos por modernidades que às vezes deturpam a essência da tradição, houve uma dicotomia (divisão) no sentido de identificar o sexo do sacerdote-chefe. Assim convencionou-se que babalorixá (baba = pai ou mãe + lorixá = sacerdote do Orixá seria atribuído aos homens, e Yalorixá (yaô = mulher + olorixá = sacerdote do Orixá) seria conferido às mulheres. Os babalorixás e yalorixás seriam então os responsáveis pela iniciação de novos adeptos e zeladoria do culto. Responsáveis pelo templo, a eles caberiam a tarefa de iniciação na religião, bem como o comando da ritualística e de aplicação dos procedimentos pertinentes ao culto.

Todas estas singelas informações são de crucial importância para colocarmos as coisas em seus devidos lugares, ou seja, de afirmarmos categoricamente que os termos Babalorixá e Yalorixá só podem ser utilizados, por direito, por aqueles que dirigem templos de candomblé, de raiz iorubá, e iniciam seus filhos e filhas no Orixá, conforme as regras endógenas e exógenas que lhes são afins. É incontestável que na Umbanda não se faz bori, não se faz raspagem e feitura de cabeça, não se recolhe o sacerdote ao roncó ou camarinha, pois que estes ritos são atribuições diretas ou indiretas dos dirigentes dos cultos afro-brasileiros.

E por que alguns dirigentes materiais que se dizem umbandistas utilizam tais títulos? Bem, a experiência nos leva a três causas para tal prática. A primeira diz respeito à ausência de conhecimento do real significado e origem dos termos Babalorixá e Yalorixá. A segunda causa repousa no fato de que dirigentes umbandistas foram candomblecistas, e que durante a mudança de segmento religioso, passaram a se utilizar de tais títulos. A terceira causa, e esta é grave, consiste em alguns se utilizarem de tais termos por pura vaidade, a fim de impressionarem aqueles que os cercam.

Sejamos imparciais nesta e em quaisquer outras questões atinentes à Umbanda. Temos que reconhecer que cabe razão aos irmãos candomblecistas quando dizem que alguns dirigentes umbandistas se apropriam e utilizam indevidamente dos títulos que só por direito os sacerdotes-chefes de Barracões, Ilês, Roças etc. podem utilizar. A propósito, a palavra Babalawô (pessoa iniciada em oráculos – ifá) também não pertence à Umbanda.

Os protestos ganham mais razão quando verificamos que o Caboclo das Sete Encruzilhadas, e seu médium Zélio Fernandino de Moraes, jamais disseram que o dirigente material de um Templo Umbandista seria chamado de Babalorixá ou Yalorixá.

 

Saravá Umbanda!