Umbanda Hoje

SOMOS TODOS MÉDIUNS?

         Eis aqui um assunto polêmico e raramente abordado da Umbanda e demais segmentos que têm no intercâmbio ostensivo com a espiritualidade sua base de atuação.

            No entanto, premidos a dar um freio a uma crescente vulgarização e ao dogmatismo (verdade indiscutível) com que alguns tratam o fenômeno da mediunidade, cabe-nos expor serena e racionalmente nosso ponto de vista.

            Um número considerável de pessoas que militam em religiões de cunho mediúnico (Umbanda, Espiritismo, Candomblé etc.) tem-na como verdade absoluta e inquestionável, e por isto afirmam categoricamente que todos os seres humanos são médiuns. E o fazem tomando por base principalmente a literatura kardecista, notadamente no que está inserido no Livro dos Médiuns.

            No capítulo destinado a conceituação de médium, esta inserto: “Todo aquele que sente num grau qualquer a influência dos espíritos, é por este fato médium”.

            Analisemos, pois, esta assertiva.

            Sabemos que desde tempos imemoriais, o homem sempre sofreu de maneira ininterrupta a influência do mundo espiritual. Do grande arquiteto do Universo (Deus, Tupã, Zambi, Olorum) aos nossos protetores individuais, a interação entre os dois níveis (dimensões) foi e é constante, no sentido de auxílio aos seres encarnados durante sua jornada terrena.

            No dia-a-dia, os espíritos atuam sobremaneira em nossas vidas, nos impulsionando, respeitado o livre arbítrio, a absorver valores espirituais, morais, comportamentais, intelectuais etc., que sabem ser extrema importância para a nossa evolução.

            De outro lado, não faltam individualidades ou coletividades espirituais que tentam a todo custo desviar-nos do caminho do bem. Incutem ou tentam incutir em nossa mente discórdia,  raiva,  vingança, egoísmo, e outros tantos sentimentos retrógrados.

            Por isto, asseverar que influência de espíritos e mediunidade são propriedades de igual conceito, é notório equívoco.

         Porque a influência sobre os humanos por parte do mundo espiritual é questão de sensibilidade e não de mediunidade. E sensibilidade todas as pessoas têm, em maior ou menor grau.

            Sensibilidade, e o próprio nome já externa, é a capacidade de captar ou sentir impressões emitidas por alguém ou algo. E esta capacidade está diretamente ligada à sintonia ou faixa vibratória do receptor e do emissor.

            Então, se sentimos a influência dos espíritos é porque estes emitem sobre nós ondas ou feixes eletromagnéticos que têm algum tipo de afinidade ou sintonia com a nossa composição espírito-material. Não devemos olvidar que tanto os desencarnados quanto os encarnados são formados de partículas atômicas (prótons, elétrons e neutros) que se interagem havendo apenas variação quanto a densidade ou materialidade com que se apresentam.

            Cabe-nos dizer, ainda, que podemos sentir a presença dos espíritos de várias formas, mas sua influência sempre começará pela mente.

            No que concerne à mediunidade, sabemos ser esta uma faculdade neutra, uma vez que tantas pessoas boas quanto más a possuem.

            A palavra médium é originária do idioma latim, sendo uma variante do termo mediu, vale dizer, tudo aquilo que se encontra em posição mediana e liga ou vincula duas extremidades ou polos.

            Assim, médium é toda pessoa (ou espírito) que serve como instrumento ou veículo de atuação dos espíritos no mundo terreno ou material.

            Para melhor diferenciarmos influência dos espíritos de mediunidade, daremos exemplos bem fáceis de serem assimilados.

            1° Vamos supor que uma pessoa esteja sendo vítima de processo obsessivo por parte de espíritos que com ela tenham tido desavenças no passado.

                O indivíduo atacado está sofrendo influência dos obsessores. Neste caso não há que se falar em mediunidade, pois a vítima não está fazendo papel de intermediária dos espíritos para alguma finalidade. Ela, a pessoa obsediada, é o próprio fim a ser alcançado pelos obsessores, no que tange a sua desestabilização psicoespiritual.

            2° Visualizemos agora um indivíduo que labore em um templo umbandista, e que nos dias e horas determinados seja incorporada (acoplamento) por um Caboclo (a), Preto (a)-Velho (a) etc., e que estes ministrem passes ou deem consulta aos assistentes. Ou ainda aqueles que recebem mensagens de desencarnados através da espiritografia.

            Aqui sim, temos a figura da mediunidade, pois que o médium é um instrumento, esta entre uma causa, que são os espíritos, e entre um efeito ou finalidade, que são os passes, consultas ou mensagens astrais.

            Continuemos a análise, ainda no capítulo dos médiuns (Livro dos Médiuns)

            Um pouco abaixo da conceituação de médium, temos outra afirmação: “… Por isto mesmo, raras são as pessoas que dela (a mediunidade) não possuem rudimentos”.

            Ora, ao se considerar que existem pessoas que, ainda que de forma rara, não tenham rudimentos de mediunidade, está se concluindo que nem todos são médiuns. É simples questão de interpretação.

            E vamos além. Esta segunda afirmação contradiz a conceituação de médium, que, sob nossa ótica, já é em sim um equívoco.

            Bem entendido então que mediunidade e influência dos espíritos são situações distintas, diferentes.

            Estas explanações se fizeram necessárias, uma vez que, por conta de se difundir aos quatro cantos e sem bases sólidas que todas somos médiuns, em alguns templos de atividades mediúnicas, em nosso caso os terreiros, onde a mediunidade de incorporação (acoplamento) é predominante, pessoas que não são médiuns, acabam por motivos diversos sendo vítimas de animismo, ou de mistificarem.

            Ansiosas por incorporarem entidades espirituais, terminam por plasmar Caboclos, Pretos (as)-Velhos (as) etc., que nada mais são que figuras criadas pela própria mente, sem contar aquelas que, observando características dos Guias manifestados, iniciam repugnante processo de imitação e mistificação.

            Não queremos de forma alguma caracterizar a mediunidade como privilégio de alguns. Mediunidade não é privilégio, é faculdade neutra, já o dissemos, e na maioria das vezes é de finalidade expiatória ou de resgate.

            O que desejamos é que haja muita cautela em determinadas afirmações, que, se colocadas de forma não cuidadosa, podem trazer substanciais transtornos á mente das pessoas.

          A vivência nos mostra que existem pessoas que passam toda sua vida religiosa em casas umbandistas e espíritas, não incorporando ou recebendo mensagens da espiritualidade, nem sendo instrumento de qualquer outra expressão de mediunidade.

            É certo, no entanto, que qualquer assertiva ou definição tem de ser alvo de profundos questionamentos construtivos, é claro, para que não caminhemos pela estrada nebulosa dos dogmas (verdades inquestionáveis).

            Saravá Umbanda!