Umbanda Hoje

INVESTIDA MALICIOSA 

          Há bastante tempo temos inserido nas entrelinhas de várias de nossas dissertações determinadas colocações sobre a ação de mentes maquiavélicas que tentam astuciosamente tomar de assalto a consciência de sacerdotes e fiéis, dentre os quais muitos com patente ausência de prevenção e bom senso ante a constantes informações difundidas por alguns agrupamentos doutrinários atuantes em nosso meio religioso. Não se trata aqui de processo de discriminação, preconceito ou exclusão de pessoas que tenham visões diferentes sobre o Universo Umbandista. Quanto a isto, somos de opinião que, presentes alguns requisitos, devemos respeitar o ponto de vista de outrem. O que nos deixa vigilantes é a velada intenção que se aloja nas sombras de certos postulados correntes no Movimento Umbandista, travestidos de suposta elevação espiritual e/ou intelectual; que se apresentam como o néctar da essência divina, egressos das mais altas esferas do mundo extrafísico, eficazes no sentido de se constituírem na verdade suprema.

A Umbanda, ao contrário de algumas religiões, se revelou ao mundo físico através de fenômenos espirituais, bastando conhecer a história de sua anunciação através do Caboclo das Sete Encruzilhadas com a participação mediúnica de Zélio Fernandino de Moraes, para corroborar com nossa assertiva. Embora a entidade espiritual a que nos referimos tenha trazido os postulados iniciais para a ordenação e dinâmica do culto, muitos outros aspectos doutrinários ainda estavam por ganhar corpo dentro das relações espiritualidade-médium-fiel.

Nos primeiros anos de atividade de nossa religião, o mundo espiritual, de forma cautelosa e concatenada, iniciou um grande processo de esclarecimento e conscientização nos adeptos de nosso segmento religioso. E é plenamente justificado o cuidado na inserção de conceitos, atributos, atribuições, diretrizes, liturgia, caracteres etc., na medida em que, sendo a grande maioria da população formada por catolicos (por tradição, conveniência ou imposição), poderia haver um choque psíquico face à nova visão cósmica que a Umbanda passou a apresentar.

Desta forma, a partir da interação do Plano Invisível (espíritos) com o mundo terreno (encarnados) começou a ser forjado o grande acervo doutrinário umbandista, que, diga-se de passagem, está em incessante compilação. Mas se a formação da Umbanda-Religião não se deu da teoria para a prática, fato que não a fez escrava de escritos acadêmicos, tal qual ocorre no Espiritismo (Kardecismo), por outro lado propiciou o surgimento de ideologias nem sempre afinizadas com nossa religião, revelando em alguns casos a tentativa de projeção religiosa de alguns, a compensar frustrações, complexos e ostracismo social, além de manobra ardilosa para monopolizarem conceitos e práticas de nosso religare.

Não é de hoje, e a história assim revela, que visualizamos o embate entre vertentes ideológicas inseridas dentro de um mesmo segmento religioso, cada uma delas lutando pra se tornar hegemônica dentro da corrente que professa, promovendo a redução ou a eliminação da capacidade expressiva dos que lhe fazem oposição. Instrumentos de persuasão diamentralmente opostos às regras de honestidade, lógica e imparcialidade emergem. Observamos aqui, não uma contenda salutar, tendente a prover o corpo sacerdotal e os fiéis com ensinos úteis ao progresso individual, coletivo e do próprio Movimento Religioso, mas a busca incessante de status, do controle religioso, da satisfação pessoal, onde a vaidade, a ganância, o narcisismo etc., se apresentam como alicerces lamacentos à escabrosa empreitada.

O Movimento Umbandista (templos, médiuns, fiéis), ao longo de sua jornada em busca de reconhecimento social a que faz jus, como elemento agregador de diversos níveis conscienciais, com vistas à cura, à fraternidade, à evolução espiritual, ao fortalecimento da fé, e daí em diante, sempre sofreu periódicas investidas do gênero retrocitado. Passou por turbulências que tentaram empurra-la para o africanismo, catolicismo e orientalismo. Afirmamos, convictos, que tais assédios não foram somente reflexos do psiquismo social ligado a outras religiões. Não! Detectamos no presente contexto certas manobras ocultas, veladas sob a aparência de organização doutrinária da Umbanda, surgirem como únicos mecanismos adequados à estruturação da religião. Indivíduos se valendo desta artimanha tentaram e tentam implantar ideias e ideais, almejando a propriedade deste grande pomar que é a nossa religião, até porque pessoas desta estirpe jamais procurariam se beneficiar de solo estéril ou de árvore seca.

Sabemos que o binômio conhecimento-ignorância, polaridades que fluem pela mente humana, sempre foram utilizadas tanto para o bem quanto para o mal. E é no quesito ignorância que se apegam os aproveitadores de plantão, explorando a fragilidade de mentes vazias e incautas, destituidas de hábeis mecanismos de contenção frente à incursão de informações que lhes são dirigidas, propensos a considerarem como verdade vociferações sofismáticas.

Sim irmãos de fé, a lavagem mental e a alienação sacerdotal também existem na Umbanda e são sutilmente utilizadas por grupescos interessados em dominar o cenário religioso em pauta. Ferramentas como o poder econômico e a promessa de se tornarem “grandes iniciados”, “teólogos”, “mestres”, “magos” e terem “curso superior” de Umbanda costumam impressionar os desavisados e vaidosos.

O processo de formação doutrinária de nossa religião é de sentido ascendente (de baixo para cima), das questões mais simples para as mais complexas, tal como acontece nas escolas, onde iniciamos pelo jardim de infância, 1º grau, 2º grau etc., ou alguem acha possível cursar primeiro uma faculdade para depois então se fazer o 1º grau? Fica claro então porque querem deturpar o ciclo normal dentro da Umbanda.

Quando o ensino doutrinário é ministrado a sacerdotes e fiéis de uma religião, em ordem sequenciada, levando-se em conta o grau de complexidade dos assuntos, fica muito mais fácil o processo de compreensão sobre os fatos e atos relativos à mesma. O questionamento e assimilação se dão em ordem crescente e de maneira segura, estimulando  a curiosidade, o interesse, a obtenção de novos conhecimentos, auferindo a necessária base instrucional para o fortalecimento da crença, da convicção religiosa, alimentando a fé racional e afastando o fanatismo e a cegueira religiosa. Contudo, muitos daqueles que têm oportunidade de lançarem a âncora da elucidação no mar das ignorâncias aproveitam as ondas difusas do revolto oceano, não para auxiliar os náufragos a terem um porto seguro, com o pão e a água do saber, mas para se beneficiarem do desespero e da incúria alheia, induzindo a ingestão de líquidos e sólidos que são interessantes ao capitão do navio.

Impressiona-nos a facilidade com que muitos indivíduos se agregam a algumas “escolas” de pensamento que orbitam no Movimento Umbandista, sem ao menos questionarem, mesmo que superficialmente, antes de tomarem uma decisão. Não procuram verificar a existência de coerência, pertinência e prudência em tais núcleos ditos doutrinários, aceitando-os incondicionalmente como suprema verdade essencial, vale afirmar, tendo-os, portanto, como dogmas, verdades irrefutáveis.

Não é desta forma que forjaremos um Movimento Umbandista coeso, forte, fraterno e consciente, com a devida consistência para, com seriedade e crédito, levar a imponente bandeira da Umbanda.

As palavras de ordem são o bom senso, a lógica, a inquirição, o debate, o estudo, o raciocínio, para que não venhamos mais tarde a nos arrependermos de termos deixado que outros pensassem por nós.

Saravá Umbanda!